Proteger a Enfermagem é proteger a saúde do Brasil

Proteger a Enfermagem é proteger a saúde do Brasil: Esse é o tema da Campanha de Comemoração do Conselho Federal de Enfermagem de 2020 em meio a PANDEMIA da Covid-19

Há 28 anos Souza e Gutiérrez(1), na busca por compreender “Em que consiste a enfermagem”, apresentaram questionamentos para crítica e reflexão da categoria a fim de elucidar como a enfermagem é concebida e praticada. Para as pesquisadoras, a enfermagem brasileira sofreu, e ainda sofre, influência das mudanças na estrutura social e de suas repercussões nas políticas públicas de Estado em relação à saúde. Conhecedora dessa faceta, a enfermagem poderá determinar a produção de conhecimento e valores orientadores do seu trabalho, bem como o papel que os profissionais da área assumem em sociedade.

Passados quase trinta anos desde a publicação de Souza e Gutiérrez, a enfermagem brasileira paulatinamente foi respondendo, no campo teórico e prático, a tais questões ao assumir papel social relevante na evolução das políticas de saúde. Sabe-se que atualmente a enfermagem corresponde a uma importante categoria do trabalho em saúde, abarcando 50% dos 3,5 milhões de trabalhadores do setor.

No Brasil, a enfermagem é composta por um quadro de 80% de técnicos e auxiliares e 20% de enfermeiros, que cotidianamente realizam o cuidado na promoção, prevenção, recuperação e reabilitação da saúde da população. Representa uma categoria de trabalhadores da saúde presente em todos os municípios, com forte inserção no Sistema Único de Saúde (SUS), tendo 59,3% das equipes atuando no setor público. Além disso, 31,8% atuam no setor privado, 14,6% no filantrópico e 8,2% nas atividades de ensino. Composta por 84,6% de mulheres, é uma profissão marcadamente feminina.

Dados apontam dificuldade de encontrar emprego por 65,9% dos profissionais da área, sendo que 10,1% indicaram situação de desemprego nos últimos doze meses. Os setores privados e filantrópicos são os que mais apresentam subsalários, que não passam de 2 mil reais, situação determinante para a existência de mais de um vínculo empregatício e condições laborais ruins. Tal fato justifica um percentual de 66% dos profissionais entrevistados que relatam desgaste no ambiente de trabalho.

O atual perfil da enfermagem brasileira é reflexo, portanto, da historicidade da profissão e sua inserção na sociedade e no trabalho em saúde. Assim, ao analisar o contexto social e suas transformações, seremos capazes de determinar e compreender a diversidade do conhecimento e os valores produzidos pela disciplina, que, por consequência, influenciam a prática.

O papel social assumido pela enfermagem está alinhado, no que se refere ao Estado democrático brasileiro, aos princípios e diretrizes do SUS, política pública responsável pela mudança no paradigma de atenção à saúde a partir da Constituição de 1988. Nesse modo de idealizar uma política de Estado, novos arranjos
conceituais sobre cuidado e saúde surgiram concomitantemente à luta pela redemocratização do país e pelo fim da Ditadura Militar (1964-1984). Essas ideias surgem no bojo do debate intelectual e acadêmico e no cotidiano dos movimentos populares e de profissionais pela defesa da saúde como direito de cidadania.

Ao tempo da estruturação do SUS, na retomada da democracia brasileira pós-ditadura militar, a enfermagem foi galgando novos cenários de atuação e responsabilidades no
setor de saúde. Esses cenários – seja nos cuidados primários hospitalares, de alto aparato tecnológico, seja na pesquisa e na gestão dos serviços de saúde, na formação de trabalhadores da saúde e, especialmente, da enfermagem – determinaram novas responsabilidades e necessidades de conhecimento teórico para atender às demandas práticas que começam a surgir.

Apesar do avanço profissional e intelectual vivido pela enfermagem brasileira, faz-se urgente refletir sobre o momento atual de crise política e econômica enfrentada pelo Brasil, com explícitas ameaças da ideologia neoliberal que visa o desmonte do Estado democrático e de direito, o qual, mediante o desenvolvimento de políticas progressistas nas últimas décadas, buscou a efetividade do SUS como caminho para garantir o direito à saúde. Associado a essa ofensiva neoliberal se observa o poder manipulativo da mídia que alimenta o descrédito popular para com instituições e poderes instituídos, por sua vez contaminados pela corrupção e má gestão da coisa pública. Esse retrato nos
convida a retomar o questionamento como forma de orientar nossa reflexão: Que ações de transformação na estrutura social seriam necessárias para melhorar as condições de enfermagem?

Na busca por respostas a essa indagação apresentamos esta reflexão teórica, cujo objetivo é discutir, tomando por referência a crise no Brasil e sua repercussão nas políticas públicas de saúde atuais, a inserção da enfermagem brasileira nesse contexto e seus modos de agir para realização do cuidado. O tema se torna relevante
e atual na medida em que permite refletir sobre as transformações sociais, procurando entender o significado e funcionamento da sociedade global e brasileira, bem como repensar “Em que consiste a enfermagem?” no sentido de lançar pontes para o futuro da profissão como trabalhador da saúde no campo da assistência, da
pesquisa, do gerenciamento/gestão e do ensino.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar dos avanços observados nos últimos trinta anos, a conjuntura social atual revela uma difícil realidade para a inserção do enfermeiro enquanto trabalhador do SUS, em face dos frequentes ataques à Constituição de 1988 e consequentemente ao direito à saúde no Brasil. O sucateamento e a desqualificação dos serviços públicos de saúde, a precarização do trabalho no setor, sob a forte influência de um modelo neoliberal que impulsiona o profissional aos ditames da lógica do mercado, são alguns pontos que precisam ser (re)pensados para que haja uma transformação na enfermagem em um futuro breve.

Esse desafio se apresenta para a formação em enfermagem, seja em nível de graduação ou pós-graduação. Os cursos ainda formam profissionais com uma visão fragmentada, pautados no modelo biomédico, com dificuldades no trabalho em equipe multiprofissional e na integração dos saberes interdisciplinares, pouco comprometidos com as políticas públicas de saúde e desconhecedores do SUS e da realidade social.

A enfermagem deve ser compreendida como parte de uma estrutura social e, como tal, desempenha papeis que possibilitam mudanças nas políticas de saúde, as quais devem se traduzir em ações voltadas para a cidadania, com vistas à promoção da saúde das pessoas e diminuição das iniquidades sociais. É preciso construir um conhecimento crítico em relação a aspectos políticos, sociais, econômicos e culturais estruturantes da sociedade brasileira.

Dessa forma, a melhoria das condições da enfermagem irá se dar com a transformação da realidade social vigente, bem como as mudanças sociais podem contribuir para transformações positivas na enfermagem, no sentido da retomada do Estado Democrático e de Direitos, na construção de uma sociedade mais humana e justa, equilibrando avanço tecnológico e demandas sociais de saúde, superando o modelo político-econômico assustador que se anuncia.

COMENTÁRIO DE JORGE HEINRIQUE – ENFERMEIRO 

Aqui no Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) é o nosso escudo. O sistema dispõe de uma rede de instituições de ensino e pesquisa como universidades, institutos e escolas de saúde pública, possui um legado de avanços no sistema de vigilância em saúde, na vigilância sanitária, no sistema de informação, na assistência farmacêutica, nos transplantes, no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), no controle de doenças infectocontagiosas e de hemoderivados.

O SUS também desenvolveu o maior programa de imunização do mundo, sendo autossuficiente na produção de imunobiológicos, e possui a Atenção Primária em Saúde (APS), que vincula cerca de 60% da população brasileira às equipes de Saúde da Família, podendo ser nossa grande arma no combate ao coronavírus.

Infelizmente, antes da pandemia, países como a Grécia, Portugal, Espanha, Alemanha, Inglaterra reduziram investimentos em políticas públicas, com impactos negativos para os serviços públicos de saúde, como a queda da qualidade da assistência, fragmentação da gestão dos serviços, redução da cobertura assistencial da população e privatizações.

No Brasil, A Emenda Constitucional 95 (EC 95) reduziu ainda mais o financiamento do SUS que, em tempos de pandemia, enfrenta problemas na manutenção da rede de serviços, na remuneração de seus trabalhadores e no investimento para a ampliação da infraestrutura pública para o combate ao coronavírus.

A COVID-19 exige dos governos a proteção do direito universal à saúde. A defesa da vida exige o compromisso dos profissionais e da população na defesa de um SUS público, gratuito e de qualidade. Para isso, é importante defender que o financiamento adequado para as políticas públicas de saúde só é possível com a revogação imediata da EC 95.

FONTE:

Araújo JL, Freitas RJM, Guedes MVC, Freitas MC, Monteiro ARM, Silva LMS. Brazilian Unified Health System and democracy: nursing in the context of crisis. Rev Bras Enferm [Internet]. 2018;71(4):2066-71. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0352

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