Um parto sem estourar a bolsa é possível?

Um parto sem estourar a bolsa é possível?

Atualizado em 04/02/2023 às 07:07

Parto do segundo gêmeo em apresentação pélvica (sentado) dentro da bolsa.

Assim que o bebê nasceu a placenta saiu rapidamente. Foi necessário romper a bolsa manualmente. O primeiro gêmeo também nasceu em apresentação pélvica mas não foi gravado (observe que o cordão umbilical do primeiro gemelar aparece desviado lateralmente). Ambos bebês ficaram bem.

Relato de parto sem romper a bolsa (empelicado)

Amigos gostaria de compartilhar minha experiência de parto, pois creio que possa servir de inspiração, em especial, para outras mulheres que assim como eu gostariam de ter um parto mais natural e, em geral, para ser mais um caso de parto humanizado.

Relato de parto domiciliar e empelicado (sem romper a bolsa), realizado em 16/04/2014, na ilha de Florianópolis/SC.
Por Shalla Monteiro.

DO “NORMAL” AO “NATURAL EM CASA”

Eu sempre quis ter parto normal e, ao longo da minha gestação, fui descobrindo que o que eu conhecia como “normal” podia ser ainda mais natural, sem nenhuma intervenção (tipo analgesia ou episiotomia) e ainda podia acontecer na minha casa (“à moda antiga”) sem eu ter que me locomover até um hospital ou clínica.

Mesmo sendo taxada de “louca” meu bebe surpresa (não sabíamos o sexo até o nascimento), primogênito, nasceu com 40 semanas e 5 dias, num parto domiciliar, com parteiras, no aconchego e intimidade do nosso lar!

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FILHO DA LUA

Era madrugada do dia 15 de abril, eclipse total da Lua, por volta das 3 horas da manhã despertei para ir ao banheiro e parei na janela para ver o eclipse (que estava acontecendo por volta desde horário)…Quase que sincronicamente ao fitar o ceú senti a primeira contração dolorida.

E foi na lua cheia do eclipse total que começou a minha história de parto…

Estava tudo prontinho, afinal eu já havia passado da 40ª semana! E meu sonho era que o parto acontecesse dentro d’água. Tínhamos uma piscina de plástico inflada no meio da sala, bola de pilates, tapetinho de yoga, cds de Rosa Zaragoza, guloseimas naturebas, mel e muitas velas!

NO RITMO DAS CONTRAÇÕES: UMA DANÇA SAGRADA

Passei a madrugada e todo o dia 15 sentindo as contrações doloridas, que não tinham um ritmo, o que era sinal de que eu ainda não havia entrado mesmo no TP (trabalho de parto). Além disso, não tinha tido nenhum outro sinal do tipo perda do tampão ou rompimento da bolsa, só as contrações que eram cada vez mais intensas!

Estávamos eu, Ignacio, meu marido que apoiou incondicionalmente a minha decisão, Vanda, nossa anja que veio de Sampa para cuidar da gente, e as queridas Naoli e Mayra, as parteiras contemporâneas (como se auto intitulam) que me guiaram e empoderaram neste “mergulho” nas minhas profundezas para que emergisse da mais instintiva e pura natureza: bebe e mãe.

Confiança

Para tanto, foi preciso confiar na minha capacidade de dar à luz, de romper com medos arraigados de uma cultura extremamente “cesarista” e que se refere ao parto como algo necessariamente difícil, doloroso e até mesmo negativo. Popularmente costuma se dizer “foi um parto” quando algo demora e é difícil. Temos essas memórias incrustadas no inconsciente mascarando muitas vezes nossa natural vocação de parir de forma natural!

Voltando ao parto, entre uma contração e outra vivi um dia normal até a noite quando começaram a ritmar. Por volta das 23 horas, Naoli veio me ver e constatou que eu tinha apenas 3 cm de dilatação. Foi embora pois faltava muito “trabalho” para o TP efetivamente começar!

Era preciso aguardar o tempo desta dança sagrada entre meu corpo e o bebe na qual a “unidade” se separa. Afinal foram 9 meses de desenvolvimento para o ápice do nascimento e seu tempo próprio, tempo do corpo se abrir e do bebe florescer. Tinha isso em mente como uma oração!

Mais uma madrugada chegava e eu tentava seguir o sábio conselho da Naoli “descanse o máximo possível para guardar energia”, todavia dormir foi impossível, as contrações se intensificavam cada vez mais.

E eu tentava todo o tempo recordar que, por mais doloridas que fossem, as contrações me aproximavam do bebe. Essa convicção me ajudou muito!

Amanheceu e o ritmo se intensificou. Por volta das 9 hs chegou Mayra e eu estava com apenas 5 cm (toda crente que ja tinha quase os 10cm). Mas, a partir dai os “trabalhos” começaram efetivamente.

FASE ATIVA: MOVIMENTO, RESPIRAÇÃO E CONFIANÇA

Uma necessidade de movimento tomou conta de mim. Ja não era possível comer (só colheradinhas eventuais), ficar sentada, deitar então nem pensar!

Fiz intermináveis idas e vindas no pequeno corredor que separa a sala do meu quarto. Descobri uma sinfonia de sons que vinham “de dentro” como uma forma de aliviar as contrações. Eram gritos, sussurros, ruídos, berros animalescos, toda a natureza instintiva brotando, se “apossando” de mim e se colocando na sua forma mais pura.

Já não era mais “eu”, era um “nós com o bebe e com o universo”. Sim, no parto é possível ascender um patamar distindo de consciência, na qual algo maior e, eu diria, divino assume o “controle”.

E eu ia passando do corredor para a bola de pilates, ficava de cócoras, levantava, me apoiava no Ignacio, na Mayra e na Naoli, que chegou por volta das 11hs. Como é importante ter “braços”, ter apoio físico e, sobretudo emocional nesta hora.

Compressas de água

Vandinha fazia compressas de água quente para eu colocar na parte baixa do ventre e me trazia colheradas de mel.

A rede também foi um alento. Me apoiava nela para alongar todo meu corpo. Os alongamentos entre as contrações foram indispensáveis.

E Respirar, manter o foco na respiração era uma forma de entrar mais em contato com o bebe, com a contração, como alivío pós contração. Se no dia a dia já é importante estar consciente da respiração, eu diria que no Trabalho de Parto é vital.

Lá pelas 16hs fomos averiguar em que “” estava minha dilatação. Eu tinha “trabalhado” o dia todo, mas mantive os mesmos 5 cm das 9 da manhã. Ufa!

E já estava muito cansada! Todavia, agora mais do que nunca, era preciso manter a energia, auto confiança e paciência em alta.

Recitava internamente “estou cada vez mais próxima do bebe e ele vai chegar na sua hora, nossos corpos saberão”.

Foi aí que fui para o “banquinho de cócoras”. Um banquinho baixo cuja parte do meio é aberta. Tentava estar sentada ali quando vinham as contrações sem levantar, o que para mim, aquela altura do “campeonato”, era quase impossível! Então fui para o chuveiro com o tal do banquinho na esperança de obter um alivio por meio da agua caindo quentinha…

Não tenho ideia do tempo que passou, nem neste momento como durante todo o dia. Estive num “outro tempo”, mas minha sensação desta experiência com o banquinho foi interminável. Berrei de dor no banheiro, mas sai certa de que tinha adiantado.

E tinha! Finalmente por volta das 5h30 estava com 7 cm e portanto fui “agraciada” com a possibilidade de entrar na piscina.

Neste ínterim, entre ir para o chuveiro e voltar, a piscina estava sendo devidamente aquecida e preenchida com idas e vindas de baldes de agua esquentados num panelão no fogão, mais uma mangueira que levava agua quente do chuveiro até a piscina.

FASE EXPULSIVA: A UM PASSO DO PARAÍSO

Que alívio entrar na piscina! Para mim, fez toda a diferença estar dentro d’água. Primeiro pela minha relação com a agua (seja do mar, de uma banheira, do chuveiro, rio, lago, cachoeira, todo banho é uma forma de purificação), segundo porque é realmente relaxante no parto e o bebe nasce num meio mais natural.

Mas, aqui também na minha percepção o “tempo” foi longo, estava entrando na tal “fase expulsiva” do trabalho de parto e foram mais ou menos 2h30 dentro d’água.

Sentia como se estivesse escalando uma montanha e já tivesse subido até quase o cume, todavia justamente para chegar no topo faltavam somente alguns passos: os passos mais difíceis de toda a escalada, que exigiriam portanto toda minha concentração e energia!

E o “topo” estava ali, a cabeça coroando como se diz e eu tentando fazer a respiração da expulsão. Mayra reiterava como tinha que ser. E lá ia eu quando vinha a contração dando o máximo de mim e nada! Respira me diziam! Procurava força nos olhares e nas mãos do Ignacio e da Naoli. Veio a Vandinha para somar energia. Precisava de toda a energia, não só a minha, mas do grupo.

E já me sentia num transe total. Aqui realmente o meu estado de consciência ficou completamente alterado. Um mix do turbilhão hormonal próprio de um trabalho de parto sem intervenções anestésicas, junto com a fadiga deste (para mim) exaustivo processo e a alegria de saber que agora sim estava “a um passo do paraíso”.

NASCIMENTO DENTRO DA BOLSA: PRESENTE DIVINO

E às 20 horas em ponto, com 3880kg e 52 cm, à luz de velas, nasceu nosso bebe, duplamente dentro d’água, pois além de eu estar na piscina, ele nasceu dentro da bolsa como um presente divino (o que se chama #partoempelicado e segundo as estatísticas acontece a cada 80.000 partos!!!).

Ignacio e eu pegamos a “bolsa” juntos e quando a trouxemos para fora d’água vimos por dentro dela os olhos bem abertos do nosso bebe!

Indescritível este momento!

Parece que passou uma eternidade, mas foram segundos até Mayra estourar a bolsa e ele já estava nos meus braços.

Foi mágico! Ficamos ali juntinhos na piscina abraçadinhos e em seguida fomos para a cama. Ali já comecei a amamentar e Ignacio perguntou se era menino ou menina (até então não tínhamos nos preocupado em saber, pois estávamos absortos neste momento tão único) e soubemos que era um menino.

O PARTO DA SAGRADA PLACENTA

Enquanto curtia este primeiro amamentar pari a placenta. Foram só duas contrações e ela saiu! Ela que durante os 9 meses nutriu meu bebe tinha cumprido gloriosamente sua função. Mas, ainda assim, de tão poderosa que é, serviu para estar ao nosso lado, numa bacia, até que o cordão efetivamente parasse de pulsar quando finalmente foi cortado pelo Ignacio.

Dormimos o sono dos Deuses com nosso bebe ao lado. E eu senti uma realização plena por ter conseguido parir sem intervenções, na nossa casa e ter estado todo o tempo junto com nosso bebe.

No dia seguinte, de café da manhã, a placenta me serviu de alimento, me ajudando a repor energia. Comi parte dela cortada como um sashimi com um pouquinho de shoyo e até hoje tomo a outra parte em forma de cápsulas. Devo dizer que além de ter me dado forças o gosto da placenta foi agradável.

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