Humaniza SUS realizou o primeiro curso no Brasil

Em parceria com a Humaniza SUS, a Escola Superior da Magistratura do Amazonas [ESMAM], realizou neste mês de agosto o primeiro curso sobre violência obstétrica no Brasil para juízes. 

Este foi o primeiro curso sobre violência obstétrica credenciado pela Enfam (Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados) principal órgão de treinamento de juízes estaduais e federais do País, com atribuições de regulamentar, autorizar e fiscalizar os cursos oficiais para ingresso, vitaliciamento e promoção na carreira da magistratura no Brasil, e foi oferecido pela Escola da Magistratura do Amazonas.

 O curso teve a participação de magistrados da Justiça estadual e também membros da Defensoria Pública, Ministério Público, OAB, além de médicos e enfermeiros. Neste curso eles receberam as recomendações nacionais e internacionais envolvendo todas as fases da gestação e as intervenções comuns no parto (indicações e contraindicações), os conceitos de violência obstétrica, informações a respeito do acolhimento da mulher vítima de violência obstétrica, dentre outros assuntos.

 Flávio Pascarlli, diretor da Esmam, explicou que esse tema foi escolhido para aperfeiçoar o exercício profissional dos magistrados, e destacou a importância desse assunto em relação aos processos judiciais envolvendo mulheres vítimas de violência obstétrica.

VIOLÊNCIA

Recusa de atendimento;

Procedimentos médicos desnecessários;

Imposição de Cesária, agressões verbais, impedimento de a gestante escolher a forma e o local em que o parto ocorrerá

Proibição da entrada do acompanhante no momento do parto normal garantido por lei desde 2005; são algumas das situações que configuram violência obstétrica.  –

Negar atendimento ou impor dificuldades para que a gestante receba os serviços que são seus por direito;

Práticas e intervenções desnecessárias e violentas, sem o consentimento da mulher, como a aplicação do soro com ocitocina, lavagem intestinal (além de dolorosa e constrangedora, aumenta o risco de infecções);

Comentários constrangedores, ofensivos ou humilhantes à gestante;

Toda ação verbal ou comportamental que cause na mulher sentimentos de inferioridade, vulnerabilidade, abandono, medo, instabilidade emocional e insegurança, são algumas práticas consideradas como violência obstétrica.

Um assunto ainda é muito novo no âmbito jurídico. Os processos que chegam ao Judiciário Estadual nem são classificados como violência obstétrica, uma vez que a tabela estatística elaborada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e usada pelos tribunais na formatação dos dados dos processos não possui essa classificação. Parte deles é registrada como “erro médico”, ou como “responsabilidade civil”, “dano”, “lesão”, e até mesmo, nos casos que envolvem convênio e/ou hospitais particulares, “direito contratual” e “direito do consumidor” sem contar que não há uma lei específica que traga uma definição jurídica do que é violência obstétrica no Brasil, isso ajuda a demonstrar o quanto o judiciário está despreparado para reconhecer e lidar com a questões.

A violência obstétrica é realidade para 1 em cada 4 mulheres no Brasil, segundo um estudo de 2010 realizado pela Fundação Perseu Abramo em parceria com o Serviço Social do Comércio (SESC) intitulado “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado”. E essa violência não somente e causada pelo médico obstetra como também por toda equipe de saúde e até mesmo por recepcionista e pela administração do hospital.

O QUE FOI OFERECIDO PELO CURSO

O curso foi ministrado pela ARTEMIS, uma organização não governamental que tem sua sede em são Paulo e que e customizada pelo Humaniza Coletivo Feminista, associação sem fins lucrativos com sede em Manaus, dividido em quatro módulos que são;

Fisiologia Básica e recomendações nacionais e internacionais, envolvendo questões como os aspectos psicossociais da gravidez e as intervenções comuns no parto, indicações e contraindicações de cesariana, mortalidade materna e relacionamento médico-paciente;

Sensibilização e os conceitos de violência obstétrica, as diretrizes da Organização Mundial de Saúde (OMS), os direitos humanos, os conceitos de violência física, verbal e moral no atendimento obstétrico, e de indução da vontade (cesariana eletiva);

A legislação brasileira sobre violência obstétrica;

A prática jurídica nos casos de violência obstétrica (o acolhimento da mulher vítima de violência obstétrica, tipificação, plano de parto, uso extrajudicial do plano de parto, prescrição, autores e réus, Justiça Especial Cível versus Justiça comum, Direito do Consumidor, dano moral, jurisprudências, direito comparado e doutrinas, perícias);

OS ELOGIOS

“O curso foi uma importante fonte de informação, tanto na parte expositiva como nos diálogos proporcionados pelas palestrantes, que demonstraram, de forma técnica, que a violência obstétrica é um ato cruel de violação de direitos humanos das mulheres, em todas as fases da gestação. Foram três dias de profícuos debates. As reflexões irão gerar frutos de proteção às mulheres nesse momento sublime da vida, que por vezes se torna um desrespeito à dignidade humana”, afirmou a magistrada Dinah Câmara Fernandes de Souza, titular da 2ª Vara da Comarca de Iranduba.

“Em um primeiro momento, pensei que a violência obstétrica estivesse relacionada somente à questão física. Não tinha ideia da complexidade do tema. É comum ouvir alguns relatos, mas acabam entrando como se fosse algo normal, quando na verdade não são. Nesse curso, a participação de profissionais de saúde enriqueceu o debate. A violência obstétrica não é somente violência física, mas psicológica e esta muitas vezes tem efeitos muito mais duradouros na mulher”, disse a juíza Aline Kelly Ribeiro, que responde pela Comarca de Rio Preto da Eva, no interior do Estado.

 “Fiquei muito satisfeita, inclusive porque tive acesso a informação que não conhecia. E trata-se de um tema que todos deveriam ter conhecimento, tanto homens quanto mulheres, pois é um tipo de violência que ocorre diariamente. Nós, magistrados, precisamos dispor desses dados e, desta forma, ficaremos mais preparados para julgar esses casos. O curso foi muito enriquecedor e a partir de agora vamos ter um outro olhar sobre a violência obstétrica”, enfatizou a juíza Priscila Maia Barreto, que responde pela Comarca de São Paulo de Olivença, interior do Amazonas, está grávida, já entrando no nono mês de gestação.

 ‘’ Uma nova edição do curso deve ser realizada em 2019 para que as mulheres que sofrem com esse tipo de violência possam procurar o Comitê Estadual de Violência Obstétrica no Ministério Público Federal (MPF), ou fazer um boletim de ocorrência na delegacia de polícia, procurar as ouvidorias das maternidades, ou ir também ao Ministério Público Estadual e Defensoria Pública’’ comentou a vice-presidente da Humaniza Coletivo Feminista, Raquel Corrêa.

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