Cofen responde parecer sobre prescrição para casos de Coronavírus

PARECER DE CÂMARA TÉCNICA Nº 032/2020/CTAS/COFEN
INTERESSADO: Coren-AP
REFERÊNCIA: PAD Cofen Nº 0516/2020

 

EMENTA: Solicitação de Parecer sobre a elaboração de protocolo de prescrição de medicamentos pelo enfermeiro, para casos leves de CORONAVÍRUS.

 

I – DA CONSULTA

Atendendo ao pedido contido no DESPACHO GAB/PRES n.º 0870/2020-LT solicitando emissão de parecer sobre o questionamento do COREN-AP sobre a produção de um protocolo de prescrição de medicamentos pelo enfermeiro para casos leves de Covid-19. Junto com a solicitação contida no despacho, foi encaminhado o Protocolo Estadual para Tratamento da Covid-19; Parecer Jurídico 069/2020 da Procuradoria Geral do Estado que aprova o protocolo e Parecer Técnico-Científico de Saúde N° 01/2020 do Comitê Científico de Enfrentamento a Covid-19 do Estado do Amapá.

 

II – DA ANÁLISE

A Presidente do Regional do Amapá, através do Ofício n.º 176/2020/GAB/COREN-AP, solicita parecer junto ao Comitê Gestor de Crise do Cofen para enfrentamento da Covid-19 e que após análise encaminhou a esta Câmara, indagando, mais especificamente, sobre a construção de protocolo de prescrição de fármacos pelo enfermeiro para casos leves do novo Coronavírus com relação aos medicamentos, Azitromicina 500mg, Nitazoxanida 500mg, Acetilcisteína Xarope  e Ivermectina 6mg. O contexto do questionamento se deu com a recente aprovação de um protocolo que inclui esses medicamentos, incluindo a Cloroquina e a Hidroxicloroquina, instituído pela Secretaria de Estado da Saúde do Amapá que posteriormente foi adotado por todos os 16 municípios do Estado.

Tomou-se como base para análise o próprio protocolo e pareceres de aprovação contidos nos documentos enviados pela Presidente do Coren-AP, assim como o arcabouço legal da profissão e o contexto atual da Pandemia da Covid-19.

O protocolo enviado para análise e adotado pelo Estado do Amapá inclui, além dos medicamentos já citados anteriormente, a Hidroxicloroquina no rol de opções terapêuticas disponíveis para utilização em combinação com as demais drogas, tanto em casos leves no contexto da atenção primária, assim como no ambiente hospitalar em casos graves.

Vale enfatizar que o parecer da Procuradoria Geral do Estado do Amapá – PGE, que aprova o protocolo, fundamenta sua conclusão, no parecer do Conselho Federal de Medicina (CFM) n.º 04/2020 que aprova o uso da hidroxicloroquina e destaca que a utilização deste em pacientes com infecção pelo Covid-19 isenta o profissional médico de qualquer responsabilização de ordem ética no uso deste medicamento, que será permitida em caráter excepcional devido a pandemia e deve se dar mediante autorização do paciente ou de seus familiares, cientes dos riscos conhecidos da medicação. Tal entendimento, evidencia-se na conclusão do parecer do CFM:

Considerar o uso em pacientes com sintomas leves no início do quadro clínico, em que tenham sido descartadas outras viroses (como influenza, H1N1, dengue), e que tenham confirmado o diagnóstico de Covid-19, a critério do médico assistente, em decisão compartilhada com o paciente, sendo ele obrigado a relatar ao doente que não existe até o momento nenhum trabalho que comprove o benefício do uso da droga para o tratamento da Covid-19, explicando os efeitos colaterais possíveis, obtendo o consentimento livre e esclarecido do paciente ou dos familiares, quando for o caso.

Considerar o uso em pacientes com sintomas importantes, mas ainda não com necessidade de cuidados intensivos, com ou sem necessidade de internação, a critério do médico assistente, em decisão compartilhada com o paciente, sendo o médico obrigado a relatar ao doente que não existe até o momento nenhum trabalho que comprove o benefício do uso da droga para o tratamento da Covid-19, explicando os efeitos colaterais possíveis, obtendo o consentimento livre e esclarecido do paciente ou dos familiares, quando for o caso.

Diante da excepcionalidade da situação e durante o período declarado da pandemia, não cometerá infração ética o médico que utilizar a cloroquina ou hidroxicloroquina, nos termos acima expostos, em pacientes portadores da Covid-19 ((PARECER CFM nº 4/2020).

 

Apesar da consulta do Regional se referir apenas aos medicamentos Azitromicina 500mg, Nitazoxanida 500mg, Acetilcisteína Xarope  e Ivermectina 6mg,  os mesmos são utilizados em várias etapas da doença e algumas vezes combinados com a hidroxicloroquina. Em relação a este último, é necessário observar seus efeitos colaterais e quesitos necessários para sua prescrição uma vez que a comunidade científica ainda não chegou a um consenso sobre sua eficácia, sendo imprescindível mais estudos. Atualmente, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), são mais de 200 medicamentos sendo testados no mundo para verificar sua eficácia contra a Covid-19. No ultimo dia 04 de junho de 2020, a Organização Pan-americana de Saúde(OPAS)/OMS afirmou que evidências sobre benefícios do uso da cloroquina ou hidroxicloroquina são insuficientes contra a Covid-19 e já foram emitidas alertas sobre efeitos colaterais. Recomenda que sejam usados no contexto de estudos registrados, aprovados e eticamente aceitáveis.

Quanto a quem pode prescrever os referidos medicamentos, o próprio Parecer Técnico Científico de Saúde do Comitê Científico do Estado que Amapá que propôs a terapêutica afirma textualmente que:

 

Reduzir a gravidade desta doença pode significar a diferença entre o colapso do sistema de saúde e uma resposta mais controlada à doença. Assim, este parecer concorda que o protocolo apresentado poderá servir para a abordagem terapêutica como ATO MÉDICO (considerando os princípios da beneficência e não maleficência, e da autonomia do médico e do paciente), no tratamento da infecção por SARS-CoV-2, visando a prevenção de hospitalização e complicações respiratórias em pacientes ambulatoriais ou domiciliares com diagnóstico confirmado ou presuntivo de Infecção pelo Covid-19, ressaltado o devido acompanhamento clínico médico-paciente.

 

Fica claro que na proposta do protocolo terapêutico deixa restrito a sua prescrição para o profissional médico, não abrindo, em nenhum momento, a possibilidade de que tais medicamentos sejam prescritos por outros profissionais de saúde.

Quando o assunto é Covid-19, tudo é muito novo, cheio de interrogações e de inúmeras tentativas de acertar no enfrentamento deste agravo. Aqui não se questiona a eficácia da terapêutica adotada pelo Estado do Amapá e nem as ações específicas das drogas no organismo, todavia as boas intenções não podem afrouxar o olhar criterioso sobre os limites éticos e legais da profissão do enfermeiro mesmo neste período de exceção.

As orientações do Cofen, até o momento, não esboçam intenção de ampliar o escopo de atividades da enfermagem no que tange à prescrição de medicamentos para o tratamento da Covid-19, compreendendo, de acordo com as publicações da Autarquia, priorização das ações finalísticas da Enfermagem em especial para o cuidado direto aos pacientes e a prevenção.

 

III – DOS CONSIDERANDOS JURÍDICOS, ÉTICOS E LEGAIS:

A Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017, que aprova a Política Nacional da Atenção Básica  (BRASIL, 2017), estabelece, entre outras atribuições específicas do Enfermeiro, a realização de consulta de enfermagem, procedimentos, solicitação de exames complementares, prescrição de medicações conforme protocolos, diretrizes clínicas e terapêuticas, ou outras normativas técnicas estabelecidas pelo gestor federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal, observadas as disposições legais da profissão.

A Lei nº 7498/86 que dispõe sobre a regulamentação do exercício da Enfermagem, e dá outras providências, a saber:

Em seu artigo 11, inciso I, alíneas “l” e “m” define como ação privativa do Enfermeiro os cuidados diretos de enfermagem a pacientes graves e respectivamente de maior complexidade técnica e que exigem conhecimento de base científica e capacidade de tomar decisões imediatas.

 

Considerando o Decreto nº 94.406/87 que regulamenta a Lei nº 7.498, de 25 de junho de 1986, que dispõe sobre o exercício da Enfermagem e dá outras providências, a saber:

“Art. 8º Ao Enfermeiro incumbe,
II – como integrante de equipe de saúde:
a) participação no planejamento, execução e avaliação da programação de saúde;
b) participação na elaboração, execução e avaliação dos planos assistenciais de saúde;
c) prescrição de medicamentos previamente estabelecidos em programas de saúde pública e em rotina aprovada pela instituição de saúde (grifo nosso);

(…)

f) participação na elaboração de medidas de prevenção e controle sistemático de danos que possam ser causados aos pacientes durante a assistência de enfermagem;
g) participação nos programas e nas atividades de assistência integral à saúde individual e de grupos específicos, particularmente daqueles prioritários e de alto risco;(…)
q) participação no desenvolvimento de tecnologia apropriada à assistência de saúde; (…).”

 

A Resolução Cofen nº 564/2017, que aprova o novo Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem (CEPE),  estabelece, em seu Capítulo I – Dos Direitos, que cabe ao profissional de enfermagem:

Art. 1º Exercer a enfermagem com liberdade, segurança técnica, científica e ambiental, com autonomia e ser tratado sem discriminação de qualquer natureza, segundo os pressupostos legais, éticos e dos direitos humanos (grifo nosso) […]

Capítulos I e II – Dos Direitos e Deveres (…)

Art. 4° Participar da prática multiprofissional, interdisciplinar e transdisciplinar com responsabilidade, autonomia e liberdade os preceitos éticos e legais da profissão (…)

Art. 48  Prestar assistência de Enfermagem promovendo a qualidade de vida à pessoa e família no processo de nascer, viver, morrer e luto (…)

 

Percebe-se com as referências éticas e legais sobre prescrição de medicamentos e seus condicionantes que fica evidente a autonomia do enfermeiro nesta atividade, conforme protocolos aprovados. Existe a legalidade para tal atribuição, mas é fundamental que também sejam considerados não apenas os aspectos éticos e legais mais também a segurança técnica e viabilidade, sempre levando-se em conta a contextualização e os riscos para os profissionais e para os pacientes assistidos.

 

IV – CONCLUSÃO

Considerando os demais fatos apresentados, principalmente o disposto na Lei do Exercício Profissional de Enfermagem, fica claro como a luz solar que é permitido ao enfermeiro, como integrante da equipe de saúde, prescrever medicamentos, desde que estejam estabelecidos em programas de saúde pública e em rotina aprovada pela instituição de saúde. Tal direito vem contribuindo para o controle de inúmeros agravos sendo considerado uma atividade compartilhada com outros profissionais na execução de programas de saúde pública consolidados como o da Tuberculose, Malária e Hanseníase entre outros. Todavia, neste contexto seria prudente avaliar uma série de outros aspectos antes de opinar sobre o pleito do Coren-AP.

O arcabouço científico ainda é controverso sobre os efeitos dos medicamentos que compõem as opções terapêuticas quando direcionado para a Covid-19, mesmo estando presentes na rede de saúde pública primária, e pode-se afirmar que não há suficientemente estudos que permitam que o enfermeiro prescreva tais fármacos com segurança.  O protocolo adotado pelo Estado do Amapá em momento algum abre precedente para que outro profissional de saúde prescreva o esquema terapêutico, sendo necessário uma análise mais criteriosa para propor tal ação.

Diante do exposto, esta Câmara Técnica opina, NESTE MOMENTO, desfavoravelmente quanto a produção de um protocolo de prescrição de medicamentos pelo enfermeiro para casos leves de Covid-19, sendo prudente aguardar por estudos consistentes que esclareçam os efeitos destes fármacos quanto à eficácia e segurança para os pacientes.

 

É o parecer, salvo melhor juízo.

Brasília, 25 de junho de 2020.

 

Dra. Viviane Camargo Santos
Coordenadora da Câmara Técnica de Atenção à Saúde – CTAS

 

Parecer elaborado por Dra. Viviane Camargo Santos COREN-SP 98.136, Dra. Isabel Cristina Kowal Olm Cunha COREN-SP 9.761, Dr. Mário Antônio Moraes Viera COREN-PA 32.593, Dr. Venceslau Jackson da Conceição Pantoja COREN-AP 75.956, Dra. Juliana Silveira Rodrigues Gonçalo COREN-SP 235.907

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BRASIL. Ministério da Saúde. Nota Informativa Nº 05/2020 – DAF/SCTIE/MS.

BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Parecer CFM Nº 04/2020. https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/pareceres/BR/2020/4. Acessado em 20.06.2020

ASSOCIAÇÃO MÉDICA BRASILEIRA. Diretrizes AMB: COVID- 19. Disponível em https:/ /amb.org .br/wp-content/uploads/2020/04/ DIRETRIZESAM B-COVID-19 -atualizado-em-11.06.2020 .pdf.

GAUTRETAB, Philippe; LAGIERAC, Jean-Christophe; PAROLA Philippe et al. Hydroxychloroquine and azithromycin as a treatment of COVID-19: results of an open-label non-randomized clinical trial. International Journal of Antimicrobial Agents. Available online 10.06.2020.

BRASIL. Lei nº 7.498, de 25 de junho de 1986. Dispõe sobre a regulamentação do exercício da Enfermagem e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 jun. 1986. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ l7498.htm

BRASIL, Resolução Cofen n.º 564, de 06 de novembro de 2017. Aprova o Novo Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem. Disponível em http://www.cofen.gov.br/resolucao-cofen-no-5642017_59145.html.

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria Nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Disponível em https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2436_22_09_2017.html

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