A episiotomia é uma intervenção cirúrgica que deve ser abolida

Atualizado em 16/01/2022 às 09:18

A episiotomia é uma das intervenções mais utilizadas na assistência ao parto, sendo esta, uma incisão cirúrgica na região da vulva, realizada no momento de expulsão do concepto, classificada de acordo com a sua localização, podendo ser lateral, médio-lateral e mediana. 

A episiotomia médio-lateral é a mais utilizada. A episiotomia passou a ser recomendada para auxiliar partos trabalhosos e sua realização de rotina começou a ser defendida em 1918 por Pomeroy. 

Durante muitos anos acreditou-se nessa prática e a mesma foi ensinada, mesmo sem estudos que comprovassem sua eficácia. Essa técnica foi inicialmente proposta por
um obstetra Irlandes, em 1741 na obra “Treatise of Midwifery”, onde se defendia que tal procedimento deveria ser usado em partos onde houvesse desproporção entre a cabeça fetal e o orifício externo da vagina. A fim de evitar uma constrição do polo cefálico e consequentemente, risco para o feto. Em 1818, Leinveleir defendeu em Berlim, o uso da episiotomia de forma criteriosa, para auxiliar a liberação do feto, detido por rigidez da região. Vários médicos em diferentes países adotaram a técnica e comendaram incisões bilaterais para facilitar o parto. O termo episiotomia surgiu ano depois, em 1857, sugerido por Carl Braum, que acreditava ser uma prática desnecessária. Porém os obstetras Pomeroy (1918) e DeLee (1920) passaram a recomendar o uso da episiotomia como uma profilaxia para evitar lacerações perineal. Esse último, na década de 1920, lançou um tratado (The Prophylactic Forceps Operation) em que recomendava episiotomia sistemática e fórceps de alívio em todas as primíparas. Nessa mesma época, ocorreu a medicalização do parto, onde as mulheres abandonaram o parto domiciliar e passaram a utilizar o ambiente hospitalar. Essa mudança foi secundária a avanços no controle de infecção e evoluções da medicina, como o surgimento da anestesia. O processo de trabalho de parto tornou-se medicalizado e a episiotomia como uma intervenção fundamental para melhores resultados maternos e neonatais.

Desde então, este procedimento passou a ser realizado rotineiramente, e seus benefícios descritos na literatura incluem a prevenção de trauma perineal e das lesões
desnecessárias do polo cefálico do recém nascido (RN), danos ao assoalho pélvico, incontinência urinária, melhoria da função sexual pós-parto e ainda facilitação do reparo por substituir uma laceração irregular por uma incisão limpa e regular.

No Brasil, o emprego da técnica pelo profissional enfermeiro foi regulamentado pela lei Federal nº 7.498 de 1986 e pelo Decreto nº 94.406 de 1987 que respaldam a realização de episiotomia e episiorrafia pelo enfermeiro com especialização em Obstetrícia. Hoje o Enfermeiro Obstetra atua em um cenário diferente de algumas décadas
atrás, onde estudos baseados em evidências apontam o desuso da prática da episiotomia.

Os altos índices de episiotomia contrariam as diretrizes preconizadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) que considera a episiotomia como uma prática inadequada e que deve ter seu uso restrito. A assistência humanizada ao parto é muito discutida por enfermeiros obstetras, onde existe uma preocupação em instituir tecnologias que
auxiliem na fisiologia do parto preservando a integridade corporal e evitando intervenções desnecessárias, como por exemplo a episiotomia.

Dados de Pesquisa do Hospital Geral de Itapecerica da Serra

Um estudo realizado no Hospital Geral de Itapecerica da Serra, São Paulo, com 6.365 mulheres que tiveram parto normal, em relação ao desfecho perineal, 2.895 (45%) das
mulheres tiveram lacerações espontâneas, 1.823 (28%) tiveram períneo íntegro e 1.647 (25,9%) tiveram episiotomia. Nesse estudo foi evidenciado associação entre episiotomia e paridade. Quanto maior o número de partos, menor a chance de ocorrer episiotomia. Entre os motivos que levam profissionais a indicar esse procedimento, a rigidez perineal, a primiparidade e a prematuridade são os três principais encontrados no Hospital Universitário de São Paulo. O sofrimento fetal, identificado através de anormalidades no padrão os batimentos cardio fetais podem levar profissionais a realizar episiotomia, afim de abreviar o período expulsivo do parto. O trabalho de parto e período expulsivo prolongados encontram-se associados diretamente à episiotomia, sendo geralmente recomendada a prática com objetivo de diminuir tocotraumatismos e sofrimento fetal. 

Dados de Pesquisa no Centro Integrado de Saúde Amaury Medeiros (CISAM), em Pernambuco

Porém, em um estudo realizado no Centro Integrado de Saúde Amaury Medeiros (CISAM), em Pernambuco, com 495 mulheres submetidas ao parto normal, não foi encontrada relação significativa com a duração do trabalho de parto acima de 6 horas e período expulsivo maior que 30 minutos com a escolha da episiotomia. A episiotomia encontrou associação com a idade superior a 35 anos, primiparidade e ausência de parto vaginal. A primiparidade destaca-se como um fator potencialmente relevante para a realização da episiotomia. Embora esteja longe de ser uma indicação para a prática. 

Recomendações do Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde

A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde recomendam o uso restrito da episiotomia e classifica seu uso rotineiro e liberal como uma prática prejudicial, devendo esta ser desestimulada, tendo indicação em média de 10% a 15% dos casos. Existe uma relação estatisticamente significante entre o uso de episiotomia e o risco aumentado de lacerações graves (3º e 4º graus), com lesão de esfíncter anal. Em partos realizados sem episiotomia, não houve registro de lesões graves nas 1.129 parturientes acompanhadas na cidade de Goiânia, Goiás.

Um estudo, onde teve como base populacional 598.305 partos por via vaginal de mulheres Vietnamitas que pariram na Austrália, entre 2001 a 2010, constatou que 12.208 partos tiveram episiotomia (29,9), enquanto aquelas que dão à luz no Vietnã apresentam 85% de chance de se submeter ao procedimento. A taxa de hemorragia pós parto foi maior em mulheres que tiveram episiotomia do que aquelas que não fizeram,assim como um prolongamento do tempo de hospitalização. 

Os critérios mais citados por enfermeiros obstetras para usar ou não a episiotomia

As principais justificativas para adoção rotineira da episiotomia em primíparas é a prevenção de laceração perineal, de posterior relaxamento do assoalho pélvico e de trauma contra a cabeça fetal. Um dos critérios mais citados por enfermeiros obstetras para realizar episiotomia é a rigidez perineal.Outro critério apontado em estudos foi a questão do feto macrossômico. De acordo com os dados, a episiotomia ainda é um procedimento de rotina na maternidade do Hospital Universitário de São Paulo. A episiotomia é um dos procedimentos cirúrgicos mais realizados na obstetrícia atual, perdendo apenas para o clampeamento do cordão umbilical, necessário em todos os partos. Sua utilização de forma rotineira tem sido observada em grande parte das instituições brasileiras apesar de sua recomendação ser de apenas 10 a 15% dos casos, como já citado anteriormente. 

Por constituir-se um ato cirúrgico, o procedimento deve ser informado e autorizado pela mulher antes de sua realização, na qual devem ser apontados os possíveis riscos e benefícios. Os estudos mostram que a maioria das mulheres que passam pelo procedimento, não recebem nenhuma informação. Muitos médicos e enfermeiros obstetras afirmam que a episiotomia é o único procedimento cirúrgico que pode ser realizado sem o consentimento da mulher, sendo dessa forma considerado um procedimento que desrespeitas os princípios éticos e legais dos profissionais de saúde.

A episiotomia é uma das causas mais frequentes de morbidade materna durante o pós-parto, por expor a mulher ao aumento de perda sanguínea, infecção, disfunção sexual como a dispareunia, incontinência urinária, prolapso vaginal, entre outras alterações quando comparada a outros tipos de trauma perineal. 

O acompanhamento de uma enfermeira obstetra é importante

A Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro tem implantado enfermeira Obstetra como um importante agente estratégico na implantação de práticas obstétricas humanizadas. Nesse sentido, a formação da enfermeira voltada para o cuidado humano contribui eficazmente para a criação de práticas humanizadas, pautadas no respeito e nas decisões compartilhadas. 

A enfermeira obstetra tem capacitação de fazer acompanhamento do trabalho de parto e também acompanhamento de parto de baixo risco em ambiente hospitalar, domiciliar e em casa de parto. Já numa maternidades há necessidade de ter um médico responsável pelo serviço ou assistência. Durante o trabalho de parto, avalia bem-estar da mãe e bebê através de exames como ausculta fetal (batimentos cardíacos do bebê), progressão de dilatação do colo do útero, progressão da posição e descida do bebê, pressão arterial materna e outros.

Quando a episiotomia é necessária?

1 – Quando o bebê estiver com sinais de sofrimento e precisa nascer o mais rápido possível;
2 – Quando o bebê está em posição pélvica, ou seja, sentado;
3 – Quando a mãe já está fazendo força há muito tempo e está cansada;
4 – Quando os médicos já estão fazendo uso de fórceps ou vácuo extrator;
5 – Quando o bebê é macrossômico, ou seja, está muito acima do peso;
em caso de bebês prematuros, para evitar hemorragias cranianas já que a cabeça não está totalmente pronta;
6 – Quando o médico achar que haverá uma laceração grave (“rasgo” em termos populares) no momento da expulsão do bebê.

REFERÊNCIAS

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