Reflexões Acerca do Cuidado de Enfermagem em UTI

Atualizado em 22/01/2022 às 05:56

Em nosso caminho tudo é decisão: voluntária, pressentida, secreta, no âmago de nosso ser, é a mais originariamente secreta e a que nos determina mais poderosamente. (BUBER, 1971, p. 100). 

As reflexões acerca do cuidado de enfermagem em Terapia Intensiva devem passar por uma contextualização mais aprofundada acerca dos conceitos de cuidado e da utilização de tecnologias nestas unidades. Mesmo o cuidado sendo visto como essência da enfermagem verifica-se, a partir da realidade desta pesquisa, que existem contradições no que tange à sua concepção, bem como limitações frente às ações e procedimentos.

O significado do cuidado para os enfermeiros desta UTI estão ancorados em seis temas: Dimensão do mundo do cuidado (Cuidar como Competência Técnica; Cuidar como Gerenciamento e Administração; Sistematizando o Cuidar; Cuidar Técnico e Tecnológico); Cuidar como Encontro com a Finitude; Estar-Com a Família no Mundo do Cuidado; Cuidar como Trabalho em Equipe; A humanização do cuidado e Criando uma identidade do cuidado pelo enfermeiro da UTI.

Percebe-se, pelos discursos, que o cuidado desses profissionais é voltado inicialmente para a técnica, para a doença, para o físico. Todas as enfermeiras colaboradoras, ao responder a pergunta de pesquisa, apegaram-se a teorias técnicas, advindas de um discurso provavelmente aprendido, sendo este formador de um ideal de cuidado do enfermeiro; porém a realidade aponta uma contraversão deste discurso. Essa é uma característica comumente encontrada entre os profissionais que trabalham na UTI, fortalecida por fatores importantes, entre eles: é um setor composto de pacientes graves, de tecnologias que se inovam constantemente, e de profissionais com formação positivista alicerçada no modelo curativo de saúde; porém, possuem um entrelaçamento que, mesmo não fazendo parte da vivência de todos os profissionais da equipe, é voltado ao diálogo com o grupo, com a família e com o paciente, tornando a comunicação um forte elo entre os mesmos.

A manutenção da competência técnica passa não só pelo domínio do conhecimento teórico e técnico, mas, principalmente, pelo fato de o enfermeiro atentar para o cuidar existencial. Nesse encontro, as pessoas envolvidas devem se permitir perceber e serem
percebidas, para favorecer mudanças de atitudes. O cuidado existe quando compreendido e aceito por ambos. Para que efetivamente ocorra, a enfermeira
precisa conscientizar-se da própria condição humana, convivendo e aprendendo com o outro, ajudando-o como pessoa e cidadão no seu compromisso com a vida e com seu bem-estar.
Tendo em vista que respeito implica em ética, para cuidar é necessário respeitar o outro, valorizá-lo na sua condição plena de sujeito. O cuidado de enfermagem objetiva estabelecer vínculo, promover o encontro, construir relações, acessar o outro.
Para que possa aproximar-se desses pacientes de modo a estabelecer uma relação de ajuda e confiança, faz-se necessário o entendimento de que o cuidado técnico e o expressivo não são excludentes, mas complementares, ambos vertentes importantes do cuidado humano de enfermagem.
Entre os aspectos da dimensão expressiva do processo de cuidado de enfermagem incluem-se a intuição e a subjetividade, as quais são consideradas componentes importantes no julgamento clínico e na tomada de decisões, resultando na melhoria da qualidade das ações de enfermagem, na medida em que são reconhecidas e valoradas como próprias e fundamentais para o ser humano em sua integridade e singularidade.
Tendo em vista essa concepção de cuidado, é possível que os mesmos se sintam confiantes, respeitados, ouvidos e verdadeiramente cuidados e cuidadores.

A enfermeira pode, em relação aos doentes, mostrar uma disposição de estar junto, relacionar com eles. Sua disponibilidade no estabelecimento da relação de troca e
reciprocidade com os clientes aumenta a possibilidade de autocrescimento e autoconhecimento e abre espaço para uma relação efetiva e dialógica. Esta proximidade desvela uma intimidade facilitadora para o cuidado, colocando-se à
vontade, os pacientes abrem-se para o encontro buscando pela enfermeira no diálogo.

O enfermeiro, para dar conta de todas as atividades, precisa pautar-se nas legislações referentes ao gerenciamento de recursos humanos, além de desenvolver as habilidades e atitudes requeridas para o gerenciamento.
Sobre as ações gerenciais do enfermeiro no cotidiano de sua prática, apreendeu-se que essas ações são voltadas ao fazer, utilizando-se dos princípios da administração científica, os quais privilegiam a competência técnica na prestação da assistência ao cliente. As atividades assistenciais do enfermeiro estão centradas na quantidade de procedimentos e intervenções e a atividade gerencial, centrada nas necessidades institucionais.
A administração e o planejamento de materiais são atividades fundamentais para garantir a qualidade, continuidade e integralidade da assistência, daí a importância do desempenho da função gerencial do enfermeiro associado à questão do cuidado. Para os colaboradores desta pesquisa, essa atividade administrativa é inseparável das outras atividades do enfermeiro e deve ser relativizada por ele, frente as outras funções que desempenha. Em outras palavras, cuidar também é gerenciar, administrar e organizar o ambiente no qual se exerce o cuidado.
Tal modelo poderá ser alicerçado sobre as diversas possibilidades de se fazer alterações e escolhas, que favorecerão a execução das atividades. A complexidade do mundo do cuidar na terapia intensiva, em razão do constante aprimoramento dos recursos utilizados para o cuidado e tratamento dos pacientes, exige dos profissionais que ali atuam atenção no desempenho técnico e científico, além da percepção das necessidades individuais de cada paciente. Por se tratar de um ambiente no qual a enfermagem se depara com uma diversidade de procedimentos desenvolvidos, a experiência do cuidador também orienta o modo de cuidar. Logo, a qualidade do cuidado está ligada à experiência da enfermeira, às suas impressões, emoções, sentimentos antes do acontecido e sensações – o que comumente se expressa pela palavra inglesa “feeling”, termo que se utiliza para expressar a sensibilidade adquirida pela experiência da vida profissional – ou seja, algo que a vida profissional se encarrega de ensinar.

Dessa forma, é necessário que se reconheça o modo intuitivo como método cognitivo importante de conhecimento do saber de Enfermagem. Isto requer da enfermeira uma postura de abertura à compreensão do paciente e à sua própria experiência, implicando o uso da percepção, da sensibilidade e a superação da repetição de procedimentos normatizados pela rotina da UTI.

O processo de análise deste estudo transcendeu a análise do individual, permitiu chegar à transposição de suas idéias para a estrutura geral do fenômeno. Esta reflexão, oriunda da vivência das enfermeiras da UTI possibilitou adentrar em seu mundo-vida, para compreender o significado do cuidar sob o olhar de quem o vivencia cotidianamente.
O cuidar mostrou-se como uma ação da enfermagem norteada pela expressividade do Ser humano, demonstrando não ser a UTI somente um lugar no qual se desempenham atividades profissionais, técnicas e científicas, mas, também, um local onde as pessoas têm a possibilidade de ser e de viver sob um contexto humanizado.

Assim, é mister que profissionais de enfermagem, que lidam com situaçõeslimite da existência humana, considerem o subjetivo e o abstrato sem medo de que a ciência os reprove e, para isto, é preciso os profissionais, aceitem a própria finitude, em num contínuo processo de autocrescimento.

Desvelou-se, ainda, uma preocupação em manter o equilíbrio entre a técnica e o aspecto humano do cuidar. Tal preocupação em um mundo onde, muitas vezes, a técnica parece sobrepor-se ao humano, resgata o real sentido de cuidar, que é uma atividade que se preocupa com a existência humana, enquanto humana. Esta pesquisa tem especial importância, em um mundo em que a dinâmica estabelecida pela modernização é aceleradamente frequente, pois através desta forma de pesquisa, de ensino e de reflexões sobre essas vivências no mundo do cuidado, a profissão poderá estabelecer-se como ciência do cuidado humano, legitimando seu verdadeiro espaço, enquanto disciplina.
Foi revelado, ainda, a questão da organização na UTI, como uma necessidade vital ao seu funcionamento, denotando a preocupação das enfermeiras em manterem a qualidade do cuidado ao paciente. Esta organização nem sempre depende só da enfermagem, mas de um conjunto de equipes que trabalham interligadas na terapia intensiva. Assim, a educação continuada em serviço, além de ser uma necessidade, poderia ser realizada com as equipes multidisciplinares, para que todos compartilhassem da mesma informação e participassem com suas idéias e experiências, afinal, cuidar reflete um modo de ser essencial ao Ser Humano. 

O desenvolvimento deste estudo permitiu adentrar no mundo da Terapia Intensiva e compreender o significado do cuidado lá existente. Porém, este assunto é vasto e requer aprofundamento diante da sua importância dentro do contexto hospitalar, especificamente na Unidade de Terapia Intensiva. Assim, de acordo com os objetivos propostos, considera-se que esta pesquisa trouxe algumas reflexões importantes para a enfermagem como forma de contribuir para que os profissionais intensivistas tenham mais subsídios para sua atuação na área, motivando-os a buscarem referenciais para fundamentarem sua prática e, consequentemente, melhorarem, continuamente, o cuidado prestado ao cliente.

Autoria: YONARA CRISTIANE RIBEIRO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Área de Concentração: Prática Profissional de Enfermagem, Setor de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Enfermagem. Orientador: Prof° Dr Adriano Furtado Holanda.

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