Paciente com Dor na Emergência

O que nos leva a desenvolver esse tema é acreditar que não sentir dor é um direito do paciente e que essa manifestação necessita ser valorizada, monitorada e cuidada pelos profissionais de saúde, de tal forma que o doente possa se sentir o mais confortável possível mesmo em situações adversas.

 Podemos dizer, apesar de causar certo constrangimento, que ignorar a dor e não tratá-la se configura em um ato iatrogênico.

Para o adequado cuidado de enfermagem ao paciente com dor é fundamental o conhecimento de sua fisiopatologia, sua classificação e as diversas possibilidades de tratamento. Antes disso, porém, você precisa saber como os conceitos de dor foram se formando histórica, social e culturalmente e fazer uma reflexão sobre seus próprios conceitos de dor.

Nas sociedades antigas, a dor era vista como invasão do corpo por maus espíritos, sendo uma punição dos deuses. Na Grécia antiga, os filósofos diziam ser a dor uma paixão do espírito, uma emoção sentida no coração.

Para o catolicismo e protestantismo, a dor também era vontade divina, considerada como evento do destino, associada à ideia de vingança. A dor foi considerada como sendo uma questão do espírito ou da alma durante mais de dois mil anos e talvez isto tenha retardado os estudos científicos sobre o assunto. Foi no século XVII que os fisiologistas começaram a estudar a dor e passaram a conceituá-la como uma sensação. Devemos lembrar que sensação é o processo pelo qual um estímulo externo ou interno provoca uma reação específica, produzindo uma percepção.

O conceito de dor como sensação perdurou até o século XX, quando muitas dúvidas relacionadas à neurologia, fisiologia e fisiopatologia da dor foram elucidadas e os aspectos psicológicos ou reativos da dor voltaram a ser considerados. Em 1965, Melzack e Wall propuseram ser a dor uma sensação e uma emoção composta por fatores físicos, emocionais e cognitivos.

Dessa forma, o modelo de dor proposto atualmente é o biopsicossocial, que considera a dor como um fenômeno multidimensional que inclui aspectos biológicos, cognitivos e socioculturais. Baseado neste modelo, a Associação Internacional para os Estudos da Dor (Iasp), em 1986, propôs que a dor seja definida com sendo uma “experiência sensorial e emocional desagradável associada à lesões teciduais reais ou potenciais ou descrita em termos de tais lesões. A dor é sempre subjetiva e cada indivíduo aprende a utilizar este termo através de suas experiências anteriores”. 

Muitos de nós, ainda hoje, cuidamos de nossos pacientes baseados no modelo biomédico tradicional, que reconhece a presença de dor somente quando identifica uma lesão visível. A ausência ou limitação do tema dor nos currículos das escolas de formação em saúde leva os profissionais a manejá-la utilizando conceitos incompletos, ultrapassados, às vezes errôneos, adquiridos durante a educação familiar e educação básica, mantendo crenças inadequadas sobre dor e os métodos de controle e colaborando para a incompleta responsabilização dos profissionais na condução do tratamento.

No período pós-operatório, por exemplo, a dor pode ser tratada pelos profissionais como evento de menor importância. Muitos acham normal sentir dor após uma cirurgia, medicando o paciente somente em situação de dor intensa. Em oncologia, algumas barreiras parecem manter a dor e o sofrimento desses doentes, entre elas, o desconhecimento dos princípios do manejo da dor no câncer e da escada analgésica da Organização Mundial da Saúde (OMS), a aceitação da dor como fato que acompanha essa doença, a dificuldade em acreditar na queixa de dor do doente e o sentimento de impotência diante da dor.

A dor é uma das razões mais comuns de busca por cuidados médicos e se constitui em um problema socioeconômico de relevância. Há necessidade de ações de prevenção e intervenções terapêuticas nas questões de dor. Para poder atuar adequadamente perante a dor é necessário conhecer sua fisiopatologia. Vamos discutir conceitos que podem inicialmente parecer de difícil compreensão, mas que são fundamentais para o entendimento desse processo.

Entre o estímulo causado pela lesão tecidual e a experiência de dor, ocorrem fenômenos elétricos e químicos bastante complexos que compreendem os processos de transdução ou geração, transmissão, percepção e modulação que descreveremos a seguir.

Transdução é a conversão da informação química do ambiente celular em impulsos elétricos que se movem em direção à medula espinhal. Essa fase é iniciada quando o dano tecidual provocado por estímulos mecânicos, térmicos ou químicos e a resposta inflamatória que o acompanha, resultam na liberação de vários mediadores químicos, por exemplo: prostaglandinas, bradicininas, serotonina, histamina e substância P. Estes mediadores, denominados substâncias algiogênicas, estimulam receptores especializados da dor (nociceptores) localizados em camadas superficiais da pele, músculos, periósteo, superfícies articulares, paredes arteriais, vísceras e polpa dentária, e geram potencial de ação e despolarizam a membrana neuronal. O impulso elétrico é conduzido pelas fibras nervosas à medula espinhal. 

Transmissão é a condução do estímulo doloroso da periferia às diversas estruturas do sistema nervoso central. A informação gerada nos tecidos alcança o cérebro após passar pela medula espinhal e tronco cerebral. Diversos neurotransmissores estão envolvidos nessa transmissão. O estímulo doloroso evoca respostas neurovegetativas e comportamentais, que visam à adaptação a dor, pois a dor representa ameaça à integridade do indivíduo. Percepção é quando a sensação dolorosa, transmitida pela medula espinhal e tálamo ao atingir o córtex cerebral, se torna consciente e então percebemos onde dói, como dói, de onde ela vem, quanto dói, o que fazer. A interpretação desse estímulo nos faz ter respostas físicas, emocionais e sociais denominadas comportamento doloroso. Comportamento doloroso pode ser chorar, solicitar analgésico, gemer, ficar imóvel, contrair a musculatura, massagear a área dolorosa, entre outros. Esse comportamento tem a intenção de comunicar a dor e o sofrimento, buscar ajuda e diminuir a sensação de desconforto.

A modulação da dor é o processo pelo qual a transmissão do estimulo de dor é facilitada ou inibida. Este processo envolve substâncias bioquímicas endógenas como serotonina e noradrenalina, assim como as endorfinas e encefalinas.

Outro mecanismo de modulação que ocorre na medula espinhal é a estimulação de fibras que transmitem sensações não dolorosas, bloqueando ou diminuindo a transmissão dos impulsos dolorosos. Veja o exemplo: após um golpe de martelo no dedo, naturalmente o colocamos na boca ou na água fria. Esta ação estimulou as fibras não dolorosas no mesmo campo receptor que a fibra sensível a dor foi recentemente ativada. Essa é a teoria da comporta, ou do portão, em que ao se estimular fibras que transmitem sensações não dolorosas (fibras grossas), há o bloqueio ou diminuição da transmissão dos impulsos dolorosos (fibras finas) através de um portão inibitório na medula espinhal.

A dor pode ser classificada em aguda e crônica se considerarmos o tempo de duração. Esta diferenciação é muito importante para a definição do tratamento. Também vamos abordar a dor relacionada ao câncer, que é tanto aguda quanto crônica.

A dor aguda relacionada ao pós-operatório é de intensidade e complexidade variáveis dependendo do procedimento que a originou. É leve e de tratamento mais fácil nas cirurgias ambulatoriais e apresenta maior intensidade nas cirurgias do abdome superior, tórax, lombotomias, cirurgias ortopédicas e pélvicas, necessitando de tratamento e intervenções mais complexas. Outro aspecto importante da dor aguda pós-operatória é a diminuição da expansibilidade pulmonar pelo aumento do tônus muscular e menor expansibilidade da caixa torácica, maior dificuldade para a ventilação profunda e eliminação de secreções do trato respiratório, podendo levar à atelectasias e infecções respiratórias, o que pode aumentar a morbidade e mortalidade neste período.

No sistema digestório, pode causar lentificação da atividade intestinal e do esvaziamento gástrico, que predispõe à ocorrência de íleo paralítico, náuseas e vômitos. No sistema músculo-esquelético, pode levar à redução da movimentação e da deambulação precoce, o que favorece o aparecimento de trombose venosa profunda, principalmente em pacientes idosos e naqueles submetidos a cirurgias extensas. Além disso, a dor interrompe o sono, resultando em maior desgaste físico, fadiga e menor motivação para cooperar. muito perturbadoras para quem a sente, associando-se a baixa auto-estima, distorções cognitivas, apreciação desesperançada da vida, reações familiares conflituosas, prejuízo no trabalho e no lazer.

A dor no paciente oncológico pode estar relacionada à doença em si – metástases ósseas, compressão nervosa, distensão de vísceras. Pode também ser decorrente dos procedimentos terapêuticos e diagnósticos, como operações (ferida cirúrgica, íleo paralítico, retenção urinária), quimioterapia (mucosite, miosite, artralgia, pancreatite,
neurite), radioterapia (dermatopatia actínica, mucosite, neuropatia actínica), supressão de drogas (opióides, corticosteróides) ou resultar de exames complementares (punções para realização de mielogramas, coleta de amostras, transfusões de sangue, coleta de líquido cefalorraquidiano, drenagem de coleções líquidas) e aquelas relacionadas a outras causas. A dor é menos frequente nas fases iniciais da doença; é observada em 20% a 50% dos doentes no momento do diagnóstico, chegando a 70% a 90% nos doentes com doença avançada.

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