Hipertensão arterial e Eclâmpsia na Gravidez

Hipertensão arterial e Eclâmpsia na Gravidez

Atualizado em 08/04/2023 às 10:04

A pré-eclâmpsia/eclâmpsia é a primeira causa de morte materna no Brasil.

Ela determina o maior número de óbitos perinatais, além do aumento significativo do número de neonatos com sequelas quando sobrevivem aos danos da hipóxia cerebral.

Duas formas de hipertensão podem complicar a gestação: hipertensão preexistente (crônica) e hipertensão induzida pela gestação (préeclâmpsia/eclâmpsia), que podem ocorrer isoladamente ou de forma associada.

Diferenciar uma hipertensão preexistente da pré-eclâmpsia, síndrome específica da gestação com vasoconstrição exagerada e perfusão de órgão reduzida, é tarefa importante da equipe de atenção no pré-natal.

Classificação da hipertensão arterial em mulheres gestantes

1. Hipertensão arterial crônica

Corresponde à hipertensão de qualquer etiologia (nível da pressão arterial maior ou igual a 140/90mmHg) presente antes da gravidez ou diagnosticada até a 20ª semana da gestação. Mulheres hipertensas que engravidam têm maior risco de desenvolver pré eclâmpsia/eclâmpsia.

2. Pré-eclâmpsia/eclâmpsia

A pré-eclâmpsia/eclâmpsia geralmente ocorre após a 20ª semana de gestação, classicamente, pelo desenvolvimento gradual de hipertensão e proteinúria.

Apresenta-se quando o nível da pressão arterial for maior ou igual a 140/90 mmHg, com proteinúria (> 300mg/24h) e após 20 semanas de gestação. Pode evoluir para eclâmpsia. É mais comum em nulíparas ou gestação múltipla.

Mulheres com hipertensão arterial pregressa, por mais de quatro anos, têm aumento do risco de desenvolverem pré-eclâmpsia de cerca de 25%. Outro fator de risco é historia familiar de pré-eclâmpsia e de doença renal.

A eclâmpsia caracteriza-se pela presença de convulsões tônico-clônicas generalizadas em mulher com qualquer quadro hipertensivo, não causadas por epilepsia ou qualquer outra doença convulsiva. Pode ocorrer na gravidez, no parto e no puerpério imediato.

Em gestante com quadro convulsivo, o primeiro diagnóstico a ser considerado deve ser a eclâmpsia.

3. Hipertensão crônica com pré-eclâmpsia associada:

• Mulher hipertensa com proteinúria, 20 semanas antes da gestação, com súbito aumento de duas a três vezes na proteinúria;

• Um novo quadro de proteinúria após 20 semanas de gestação; súbito aumento da pressão arterial;

• Trombocitopenia;

• TGO e TGP elevados.

4. Hipertensão gestacional

Trata-se de hipertensão sem proteinúria que ocorre após 20 semanas de gestação. É um diagnóstico temporário e pode representar hipertensão crônica recorrente nessa fase da gravidez. Pode evoluir para pré-eclâmpsia e, se severa, pode levar a altos índices de prematuridade e retardo de crescimento fetal.

5. Hipertensão transitória

De diagnóstico retrospectivo, a pressão arterial volta ao normal cerca de 12 semanas após o parto. Pode ocorrer nas gestações subseqüentes e prediz hipertensão arterial primária futura.

Obs.: É importante considerar a presença de outros fatores de risco, lesões em órgãos-alvo e outras co-morbidades. 

O valor mais alto da sistólica ou diastólica estabelece o estágio do quadro hipertensivo. Quando as pressões sistólica e diastólica situam-se em categorias diferentes, a maior deve ser utilizada para classificação de estágio (Quadro 8).

Condutas

HIPERTENSÃO CRÔNICA DURANTE A GESTAÇÃO

Mulheres com estágio 1 de hipertensão arterial têm baixo risco de complicações cardiovasculares durante a gestação e são candidatas a somente modificarem seu estilo de vida como estratégia terapêutica (não existem evidências de que o tratamento farmacológico tenha melhores resultados neonatais).

Além disso, normalmente a pressão arterial cai na primeira metade da gestação, facilitando o controle da hipertensão sem medicamentos ou com suspensão dos medicamentos que estiverem sendo usados.

Como adoção de hábitos saudáveis de vida, deve-se observar que os exercícios aeróbicos devem ser restritos com base nos conhecimentos teóricos de que o fluxo placentário inadequado pode aumentar o risco de pré-eclâmpsia e a redução de peso pode não ser observada mesmo em gestantes obesas.

Embora os dados sejam esparsos e não concludentes, muitos especialistas recomendam a restrição de sal (sódio) na dieta a valores semelhantes à hipertensão arterial primária em geral, ou seja, de 2,4g. Uso de álcool e cigarro deve ser fortemente desencorajado durante a gestação.

PRÉ-ECLÂMPSIA

São indicativos de:

• Urgência – pressão arterial diatóslica ô€‚• 110mmHg com ausência de sintomatologia clínica: o não comprometimento de órgãos-alvo permite o controle pressórico em até 24h, se o quadro não se agravar;

• Emergência – pessão arterial diastólica ô€‚• 110mmHg com presença de sintomatologia clínica: o controle pressórico deve ser rápido, em até uma ou duas horas. A impossibilidade de previsão na evolução do quadro impõe, como medida ideal, o encaminhamento e a internação da paciente para acompanhamento hospitalar.

Conduta – terapia anti-hipertensiva (enquanto se aguarda transferência para o hospital de referência):

• Hidralazina: o cloridrato de hidralazina é relaxante direto da musculatura arterial lisa, sendo a droga preferida para o tratamento agudo da hipertensão arterial grave na gestação.

Cada ampola contém 20mg. Dilui-se o conteúdo de 1 ampola em 9ml de solução salina ou água destilada. A dose inicial recomendada é de 5mg ou 2,5ml da solução por via intravenosa (IV), seguida por período de 20 minutos de observação.

Se não for obtido controle da pressão arterial (queda de 20% dos níveis iniciais ou PAD entre 90 e 100mmHg), pode-se administrar de 5mg a 10mg (2,5ml a 5,0ml da solução) em intervalos de 20 minutos até dose cumulativa máxima de 20mg.

A ausência de resposta deve ser considerada como hipertensão refratária. O efeito hipotensor tem duração entre duas a seis horas. Apresenta como efeitos colaterais rubor facial, cefaléia e taquicardia;

• Labetalol – betabloqueador:éadrogadesegunda escolha na crise hipertensiva. Adose inicial recomendada é de 10mg, IV. Se necessário (pressão diastólica acima de 110mmHg), após 10 minutos, administrar labetalol 20mg, IV;

• Nifedipina: bloqueador de canal de cálcio, produz relaxamento da musculatura arterial lisa. É facilmente administrada por via oral, com ação entre dez a 30 minutos e com duração de ação entre três a cinco horas.

A dose inicial recomendada é de 5 a 10mg por via oral, podendo ser repetida a cada 30 minutos, até total de 30mg. O USO SUBLINGUAL (1 CÁPSULA = 10mg) PODE PRODUZIR HIPOTENSÃO SEVERA, COM RISCO TANTO MATERNO, QUANTO FETAL. A nifedipina apresenta como efeitos colaterais rubor facial, cefaléia e taquicardia;

• ATENÇÃO: furosemida, não deve ser utilizado na hipertensão aguda, pois reduz o volume intravascular e a perfusão placentária. Somente tem indicação em casos de insuficiência renal aguda comprovada ou de edema agudo de pulmão;

• Alfametildopa, bem como os betabloqueadores orais: não apresentam indicação para a crise hipertensiva, pois apresentam tempo para início de ação superior a quatro/seis horas.

É a droga de escolha para o tratamento de manutenção na hipertensão arterial, pela sua capacidade de manter o fluxo sanguíneo útero-placentário e a hemodinâmica fetal estáveis e pela ausência de efeitos adversos, a longo prazo, no desenvolvimento da criança submetida a exposição da metildopa intra-útero;

• Inibidores da enzima conversora da angiotensina (ECA) – captopril, enalapril e outros: estão proscritos na gestação por estarem associados com morte fetal e malformações fetais.

ECLÂMPSIA

Constitui-se em emergência e a paciente deve ser transferida o mais rápido possível para o hospital de referência. Enquanto se procede a transferência, devem-se tomar algumas providências: medidas gerais, terapia anticonvulsivante e antihipertensiva.

Medidas gerais:

• Manutenção das vias aéreas livres para reduzir o risco de aspiração;

• Oxigenação com a instalação de cateter nasal ou máscara de oxigênio úmido (5 litros/minuto);

• Sondagem vesical de demora;

• Punção venosa em veia calibrosa;

• Terapia antihipertensiva;

• Terapia anticonvulsivante.

Sulfato de magnésio é a droga anticonvulsivante de eleição (a grande vantagem sobre os demais anticonvulsivantes consiste no fato de não produzir depressão do SNC).

Mais importante do que interromper uma convulsão já iniciada é a prevenção de nova crise.

ESQUEMA PARA USO DO SULFATO DE MAGNÉSIO

Deve-se estar atento para as diferentes concentrações das apresentações

existentes no mercado:

MgSO4.7H2O a 50%: 1amp = 10ml = 5g

MgSO4.7H2O a 20%: 1amp = 10ml = 2g

MgSO4.7H2O a 10%: 1amp = 10ml = 1g

Dose de ataque (esquema misto EV e IM) para transferência da gestante

Administrar sulfato de magnésio 4g (4 ampolas a 10% ou 2 ampolas a 20%), EV, lentamente, em 20 minutos. Logo após, aplicar mais 10g de sulfato de magnésio a 50% (2 ampolas) divididas em duas aplicações, IM, 1 ampola (5g) em cada glúteo profundamente.

• Benzodiazepínicos: são potentes no controle de convulsões em geral.

– esquema terapêutico: dose de ataque – 10mg, EV, em um ou dois minutos;

– efeitos indesejáveis: sedação prolongada com risco aumentado para aspiração, dificuldade de controle neurológico, aumento de salivação e secreção brônquica.

No recém-nascido, ocorre maior depressão respiratória, hipotermia e hipotensão. Os benzodiazepínicos só devem ser utilizados se não houver outras opções terapêuticas.

• Fenitoína: droga eficaz para controle e prevenção de convulsões epilépticas.

– esquema terapêutico: dose de ataque – 500mg diluídos em 200ml de solução salina para aplicação intravenosa durante 20 minutos;

– efeito colateral: arritmia cardíaca se a infusão for rápida.

Transferência e transporte da mulher com eclâmpsia

O transporte adequado da mulher eclâmptica, até hospital de nível secundário ou terciário, é de importância capital para a sobrevida da gestante. Nessa situação, a gestante deve estar sempre com:

• Vaga confirmada em centro de referência, idealmente hospital terciário;

• Veia periférica calibrosa cateterizada (evitando-se a hiper-hidratação);

• Sonda vesical, com coletor de urina instalado;

• Pressão artérial controlada com hidralazina (5-10mg, EV) ou nifedipina (10mg, VO);

• Dose de ataque de sulfato de magnésio aplicada, ou seja, 4g de sulfato de magnésio, EV, em 20 minutos. E manutenção com o esquema IM (10g de sulfato de magnésio, sendo aplicados 5g em cada nádega).

Esse esquema deve ser o preferido, pois produz cobertura terapêutica por quatro horas após as injeções e evita os riscos de infusão descontrolada de sulfato de magnésio durante o transplante;

• O médico deve, obrigatoriamente, acompanhar a mulher durante a remoção.

Estratégias para facilitar a adesão ao tratamento anti-hipertensivo

Como qualquer portador de hipertensão arterial, a gestante hipertensa, especialmente pela gravidade do impacto na mortalidade e morbidade materna e fetal, deve ser direcionada para adesão ao tratamento e conseqüente controle da hipertensão.

A educação em saúde é o primeiro passo a ser dado na tentativa de desenvolver e estimular o processo de mudanças de hábitos e transformação no modo de viver. Porém, isso não é tarefa fácil diante de vários fatores que influenciam o comportamento e determinam as mudanças necessárias para o controle efetivo da doença.

O conhecimento da doença e do seu tratamento, apesar de ser o primeiro passo, não implica necessariamente adesão, pois requer mudanças de comportamentos que muitas vezes só são conseguidas a médio ou longo prazo. Toda atividade educacional deve estar voltada para o autocuidado.

O trabalho em grupos de pacientes e equipe de saúde é útil por propiciar troca de informações, favorecer esclarecimentos de dúvidas e atenuar ansiedades, pela convivência com problemas semelhantes.

ABORDAGEM NA PRÉ-CONCEPÇÃO

De preferência, as mulheres que desejam engravidar devem ser avaliadas para conhecer sua pressão arterial prévia, e, se hipertensa, avaliar sua severidade, possíveis causas secundárias (sobretudo feocromocitoma), presença de lesão de órgão-alvo e planejar estratégias de tratamento.

Nas mulheres hipertensas que desejam engravidar, é fundamental que se avaliem as drogas que estão sendo utilizadas, e, caso necessário, que se faça a troca por aquela que é reconhecidamente segura para o feto e a gestante, como metildopa e betabloqueadores. Inibidores da ECA devem ser suspensos logo que a gravidez for confirmada.

As mulheres, com doença renal progressiva, devem ser aconselhadas e encorajadas a ter o número de filhos que deseje enquanto sua função renal estiver relativamente preservada.

Insuficiência renal leve com creatinina sérica igual ou menor que 1,4mg/dl tem efeitos mínimos sobre o feto e função renal subjacente, geralmente, não piora durante a gestação. Todavia, moderada e severa insuficiência renal na gestação pode acelerar a hipertensão e a doença subjacente e reduz, notadamente, a sobrevida fetal.

TRATAMENTO DA HIPERTENSÃO ARTERIAL DURANTE A LACTAÇÃO

Mães hipertensas podem amamentar normalmente com segurança, desde que se tenham cuidados e condutas especiais.

Todavia, as drogas anti-hipertensivas estudadas são excretadas pelo leite humano; sendo assim, mulheres hipertensas no estágio 1 e que desejem amamentar por alguns meses podem suspender a medicação anti-hipertensiva com cuidadoso monitoramento da pressão arterial e reinstituir a medicação logo que suspender o período de amamentação.

Nenhum efeito adverso de curto prazo foi descrito quanto à exposição ao metildopa, hidralazina, propanolol e labetalol, que são os preferidos se houver indicação de betabloqueadores. Diuréticos podem reduzir o volume de leite ou até suprimir a lactação.

A mãe hipertensa que amamenta e a criança amamentada no peito devem ser monitoradas para prevenir potenciais efeitos adversos.

HIPERTENSÃO RECORRENTE

A hipertensão recorre em larga proporção (20% a 50%) nas gestações subsequentes. Os fatores de risco são:

• Aparecimento de hipertensão arterial logo na primeira gestação;

• História de hipertensão arterial crônica;

• Hipertensão persistente após cinco semanas pós-parto;

• Elevação precoce da pressão na gravidez.

Mulheres que tiveram pré-eclâmpsia têm maior tendência para desenvolver hipertensão arterial do que as que tiveram gestação como normotensas.

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